segunda-feira, 26 de maio de 2008

Continua a não haver gangs!!!

CRIME JUNTA DEZ MIL JOVENS

O número de membros de ‘gangs’ em Portugal ultrapassou em 2001 a barreira dos dez mil indivíduos, confirmando-se a regra de crescimento dominante nos últimos anos. A conclusão, publicada em livro este ano, resulta de uma análise efectuada por José Barra da Costa, investigador e docente universitário, aos dados relativos ao ano passado recolhidos junto da PSP, da GNR e da PJ.

A palavra ‘gang’, que entrou no dia-a-dia de muitos portugueses com a vaga de assaltos na CREL, no Verão de 2000, regressou em força nas últimas semanas com a perseguição e morte de um traficante, Celé, e a detenção de um grupo da Margem Sul responsável pelo roubo de 18 caçadeiras num armeiro de Santiago do Cacém. “O pior ainda pode estar para vir”, alerta Barra da Costa.

De acordo com a recolha de dados do investigador, o número de indivíduos pertencentes a ‘gangs’ mais do que duplicou nos últimos quatro anos. “Em 1998 estes grupos reuniam 4 691 membros contra 10 655 em 2001. Pecar, só se for por defeito, porque em alguns casos os miúdos são menores e nem são abertos os processos-crime”, diz, recusando casos de duplicação: “São muito raros”. Em 1999, o número era de 6 306 e em 2000 subiu para 8 900. “O futuro pode ser de crescimento exponencial”, avisa o investigador.

Não só em número mas também em género. “Actualmente, as raparigas ligam-se aos ‘gangs’ para estarem perto do chefe, mas em breve poderemos começar a ver ‘gangs’ apenas de raparigas. Ainda não há, mas é provável”, diz Barra da Costa.
Mais reservado, o investigador João Sebastião, do ISCTE, lembra que os ‘gangs’ já existem há muito tempo e que “é impossível afirmar o que pode acontecer no futuro”. “Há vinte anos, dizia-se que a criminalidade derivava da extrema pobreza. Mas ela acabou e o crime continua”, refere.

No entanto, os dois investigadores concordam quanto às origens do problema. “A verdade é que para um conjunto de crianças o bairro é a única alternativa de integração e socialização, porque tudo o resto falha”, explica João Sebastião.

MUNDO NO BAIRRIO

“Sem emprego para os pais, não podemos esperar bons resultados para os filhos”, sentencia, por seu lado, o docente universitário Barra da Costa.
“O miúdo percebe desde cedo que o pai não tem emprego e não vai passar férias ao Algarve, que ele próprio nem férias vai ter. Mas vê as férias dos outros na televisão e nos jornais. Ou seja, ainda não fez mal a ninguém e já está a pagar por isso.”

Com o mundo resumido ao bairro, é natural que os modelos sejam locais. “O objectivo de grande parte desses jovens será igualar ou ser melhor do que o melhor do bairro”, adianta Barra da Costa. “Ele vai querer ser o melhor no seu campo e vai subir tanto mais quanto melhor for no tráfico ou no furto. E este caminho, de violência, é o de muitos miúdos todos os dias”.

O percurso de Osvaldo Vaz, o Celé, traficante morto há duas semanas por elementos do Grupo de Operações Especiais da PSP, foi semelhante. Considerado “muito violento”, o indivíduo de 27 anos começou com furtos, assaltos à mão armada e depressa passou para as cobranças difíceis a dívidas resultantes do tráfico de droga. Culminou com o homicídio de um polícia na Holanda e... com a sua morte às mãos da Políca.

No dia 28 de Outubro, um grupo de indivíduos da Margem Sul roubou 18 caçadeira de um armeiro em Santiago do Cacém. “O primeiro passo neste tipo de situação é serrar os canos... Depois é distribuir, vender ou usar”, diz Barra da Costa. No caso, foram distribuídas e usadas em assaltos a bombas de gasolina. Três numa noite e uma quarta que falhou. Foram detidos quinta-feira.

A acção fez lembrar os ‘raides’ do Bando da CREL no Verão de 2000. As motivações são semelhantes: conseguir dinheiro fácil e estatuto no seio do grupo. O resultado também pode ser semelhante. Prisão. “O problema é que quem entra no gang, já não sai”, afirma o investigador Barra da Costa.

DOIS JOVENS À PROCURA DE FUTURO NUM BAIRRO PERIFÉRICO

O bairro é na periferia de Lisboa e pode ser qualquer um. O carro que desce devagar as ruas mal iluminadas pode ser qualquer um, desde que tenha a música no máximo. A conversa sobre os ‘gangs’ será fora do bairro, numa noite de muita chuva, com dois jovens à procura de um futuro num presente de violência. Os bons, os maus e os mais ou menos convivem diariamente nas ruas estreitas, fazendo escolhas a cada momento e em cada esquina.

No local combinado, Ronaldo, nome fictício escolhido pelo próprio, 17 anos, chapéu de pala na cabeça, parece indiferente ao mau tempo, olhar fugidio, sempre à procura de algo que o descanse. As perguntas incomodam e as respostas, por muito que garanta, parecem sempre incompletas. “Os meus amigos estão sempre a dizer-me para ir com eles fazer isto e aquilo”. Isto e aquilo são assaltos. “Mas eu nunca fui”.

"Estudei até ao sétimo ano e desisti. Não desisti, saí da escola porque fazia muita porcaria e mandavam-me para os colégios”. A porcaria era agredir professores e alunos e era também tirar dinheiro aos colegas. Tinha 14 anos. Nas etapas da reinserção social, ‘ os colégios’, esteve em Coimbra. “Depois de sair do colégio mudei um bocado. Eu vi o que passei lá dentro. Estive de castigo um mês e tal e às vezes batiam-me”, diz.

Agora não estuda, nem trabalha, nem tem perspectivas de o fazer. “O que é que eu gostava de fazer? Jogar à bola! É isso, jogar à bola. Se não der, fico parado”, admite. É o mais velho de cinco irmãos, três raparigas e dois rapazes. E graças aos amigos, já foi muitas vezes parar à esquadra. “Só uma vez é que apanhei um estalo...”

Figo, nome fictício escolhido pelo próprio, tem 16 anos e também gosta de jogar ao ataque. O cabelo está apanhado atrás da cabeça numa trança curta e escondida pelo gorro de lã. Encosta-se com um braço à rede, cruza a perna apoiando o pé no chão. Está a estudar num curso de carpintaria, que dá equivalência ao nono ano. "Não quis continuar na escola, nunca ia às aulas".

Para já, não recebe dinheiro. Os pais trabalham, tem oito irmãos, quatro rapazes, quatro raparigas. "Estou no meio". Sente o mesmo em relação a Portugal e a Cabo Verde, ou não morasse numa ilha cabo-verdiana às portas da capital. E quando quer dinheiro? “Peço aos meus pais ou às minhas tias”. Insiste-se. Olha à volta, esboça um sorriso tímido e lá admite. "Às vezes assalto uns miúdos". Já o fez sozinho, já o fez em grupo. Mas, garante, nunca fez outras coisas... "É mais perigoso, mais pesado". Se conseguir, diz, gostava de morar fora do bairro onde vive. "Mas se não der, fico por cá". Já foi preso duas vezes, mas nunca por ter feito um assalto. “Uma vez risquei o carro de um professor e a outra foi por andar sem passe nos transportes púlicos.”

POLÍCIA VÊ CADA VEZ MAIS DROGAS DURAS E SINTÉCTICAS

A par do crescimento do número de elementos de ‘gangs’, as forças policiais no terreno notam que, entre os seus membros, o já “banal” haxixe está a ser substituído por um consumo crescente de comprimidos de ‘ecstasy’ e cocaína - a ‘droga dos ricos’. “Além disso, os miúdos chegam cada vez mais cedo a este tipo de vida”, garante ao CM um responsável das Brigadas Anticrime e de Investigação Criminal de uma das divisões do Comando de Lisboa da PSP: “O dinheiro que eles conseguem com os assaltos ainda é usado para as compras ‘tradicionais’, como telemóveis, roupa, tudo o que possa servir como afirmação perante os outros. Mas também serve cada vez mais para saídas à noite”, afirma o responsável da PSP.

Discotecas, bares, carros, namoradas. “É um ritmo de vida muito intenso, compensado com drogas como a cocaína ou o ‘ecstasy’, duas drogas que têm vindo a ganhar terreno face ao consumo de haxixe, que já é banal”, esclarece.

De acordo com dados das Polícias, que constam do Relatório de Segurança Interna do ano 2001, a criminalidade grupal e juvenil registou um aumento de 34 por cento em relação ao ano anterior, mantendo-se a incidência geográfica: Lisboa, Porto e Setúbal. “O principal problema com este tipo de crimes é o seu carácter imprevisível. As coisas acontecem quase quando são pensadas”, esclarece o responsável das Brigadas.

A mobilidade e a composição volátil dos bandos também jogam contra as autoridades. “Facilmente roubam um carro e se livram dele”. Depois, continua a fonte policial, “o que acontece é que há dois ou três elementos fixos e muitos ocasionais, que se limitam a conduzir ou a vigiar apenas num assalto ou noutro”.
Ourivesarias, pelo ouro, bombas de gasolina, pelo dinheiro em caixa, ou armeiros, por razões óbvias, continuam a ser os alvos preferidos dos ‘gangs’. “No caso das armas, o mais certo é serem usadas em novos assaltos”, refere um outro elemento da PSP. Mais recente parece ser a inclinação por lojas de telemóveis, arrombadas com recurso a carros furtados.

O QUE SÃO GRUPOS, BANDOS E ‘GANGS’?

São três realidades diferentes, embora possam parecer uma e a mesma coisa. Se ao grupo de amigos não está associado directamente qualquer comportamento desviante, o ‘gang’ tem nos actos anti-sociais o seu padrão de comportamento. Algures entre os dois, está o bando. “O 'gang' é um bando reduzido, 4/5 pessoas, e os seus encontros não são episódicos.

Tem uma organização perfeitamente hierarquizada e há casos de indivíduos que pertencem a mais do que um ‘gang’”, explica Barra da Costa. Já o bando é um conjunto de indivíduos que pode ir até 20/30 elementos, sem qualquer organização.

CAPÍTULOS

VERÃO DE 2000: O País ficou espantado. Um ‘gang’ assaltava bomba de gasolina atrás de bomba de gasolina às portas de Lisboa. Na CREL, os assaltantes chegaram a roubar uma estação de serviço enquanto a Polícia se encontrava no outro lado a investigar uma ocorrência anterior. Os responsáveis acabaram por ser detidos num processo que se transformou numa guerra entre a PJ e a PSP. Pelo meio, a actriz Lídia Franco queixou-se de uma tentativa de violação.

CELÉ: A história de Osvaldo Vaz, de 27 anos, acabou com 42 tiros. Traficante, homicida condenado, fez um percurso semelhante ao de muitos membros de ‘gangs’. Começou com pequenos furtos, assaltos à mão armada, tráfico de droga. Entrava e saía da prisão, até escapar para a Holanda - onde seria condenado a 24 anos de cadeia pela morte de um polícia.

MARGEM SUL: É o caso mais recente envolvendo ‘gangs’. Tal com o CM noticiou, 18 caçadeiras roubadas em Santiago do Cacém, há uma semana, foram utilizadas numa noite de assaltos a bombas de gasolina. O grupo responsável pelos crimes, dividido em núcleos operacionais de quatro ou cinco jovens, foi detido na quinta-feira.

IMAGINÁRIO

A associação aos ‘gangs’ norte-americanos é inevitável para investigadores e jovens, cada um, claro, à sua maneira. A música, com letras violentas, críticas e agressivas, é o rosto de todo um estilo de vida. Puff Daddy e Snoop Doggy Dog são dois nomes de um universo de luxo, mulheres bonitas, jóias e armas, tudo reunido em vídeos musicais. As roupas são das melhores marcas, mas podem também funcionar como uma marca específica dos elementos do grupo.

HISTÓRIA

E se os ‘gangs’ já existissem no século passado? João Sebastião, investigador do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), defende que os ‘gangs’ não são uma invenção recente. “Nos bairros típicos de Lisboa, como Alfama, Alcântara, Bairro Alto, existiam grupos de rapazes com comportamentos deste tipo”, defende João Sebastião. “E já no final do século XIX existiam grupos de rapazes que viviam dos furtos”, explica o investigador do ISCTE.

RELATÓRIO

São três páginas do Relatório de Segurança Interna de 2001 sobre delinquência grupal e juvenil. No documento admite-se que, a par dos crimes e das chamadas ‘incivilidades’, “só a passagem desses grupos numa rua pode criar um medo generalizado do crime, em muitos casos injustificado”. A via pública é o local onde se registam mais incidentes (82 por cento do total). Os indivíduos actuam quase sempre de cara descoberta. Recorrem a armas brancas e actuam de noite.

Ricardo Marques
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Como se pode ver não há gangs em Portugal é tudo alarmismos dos jornalistas. É também como a crise, ela não existe... pelo menos para os políticos em Portugal pois está claro.

VD

1 comentário:

Joy Mega disse...

Fico feliz por ler algo tão consciente.
A existência de gangues em Portugal é algo que tem vindo a ser muito comentado, por ser uma "realidade" que nos é quase que impigida pelos mídia.

Muitas pessoas deveriam ler este blog pois as suas perguntas seriam respondias.
:) gostei, bom trabalho